Perdas e ganhos
Nesta vida, estamos sempre
perdendo e ganhando, como um ciclo de emoções que nos faz perceber o quanto
frágeis somos e o quanto estamos sujeitos aos acasos, aos destinos, às
incertezas e (im)probabilidades dos acontecimentos, inclusive ao caos, ainda
que em tempos indevidos, demorados, curtos demais ou até mesmo súbitos, tudo
isso aos olhos de nossos ingênuos conceitos e percepções de tempo e de justiça.
Ao longo desses meus anos de
vida, ainda antes dos 40 (portanto, pra muitos, jovem, pra outros, chegando à
maturidade, para os sábios, um garoto), tenho colecionado perdas e ganhos que
fazem parte de minha trajetória e vão me constituindo como ser único, dono de
sentimentos, percepções e experiências que me atravessam unicamente e que não
há papel ou oralidade que dê conta de expressá-los fielmente.
Ganhei a vida, através de meus pais, em 1975, e tive uma infância
de menino pobre comum do subúrbio em cidade ao redor da Capital, joguei muita
bola de pés descalços, andei muito de bicicleta na rua, subi em árvores, cai,
me machuquei, chorei, brinquei, estudei e continuo estudando, e tive meus anos
felizes de criança, adolescente, jovem, passando pelas esperadas etapas que os
caracterizam, até chegar à maioridade e entrar no mundo ‘sério’ dos adultos.
Perdi minha querida mãe, D. Antônia, mulher amável, dedicada, para
qual poderia utilizar todos os melhores adjetivos possíveis, mesmo que pareçam
artificiais ou fictícios aos olhos do leitor, mas aqui não falo como escritor,
e sim como filho, portanto, me permitindo ao máximo daquilo que cabe na relação
de mãe e filho, onde não há defeitos ou imperfeições que suplantem o amor que
nos cega para os mesmos.
Ganhei Daniela, uma colega, uma amiga, uma namorada, uma noiva, uma
companheira, uma esposa, enfim, um amor, tudo numa mesma mulher que, há quase
19 anos, compartilha comigo minhas angústias, sucessos, frustrações, alegrias,
tristezas e experiências, a quem credito muito daquilo de bom que tem me
acontecido nos últimos anos, buscando assim me tornar uma pessoa melhor.
Perdi meu velho pai, Seu Geneson, aquele homem sério, cabra cearense,
aparentemente sisudo, de coração mole e alma grande que, justamente por trás de
tal armadura de cavaleiro lutador, talvez não revelasse tais características
assim a priori. Dele, creio que herdei muito daquilo que sou hoje, um tanto
tímido, de poucas palavras, não muito dado, porém, aberto a quem se dispuser a
me conhecer melhor, muitas das vezes visto como fechado e até mesmo grosso.
Ganhei Gabriella, uma filha princesa que está desabrochando para a
vida, mas que insistimos em mantê-la sob nossa proteção e controle, um ser que
me tem feito amolecer o espírito cearense herdado de meu pai, e que é uma fonte
de amor que me faz sentir melhor todos os dias, mesmo sabendo que, para cada
dia de um filho crescendo, é um passo a mais para longe dos pais, na vida de
quem em breve se tornará adulto e seguirá seus próprios passos e, portanto,
sofrerá também suas próprias perdas e ganhos.
Perdi a ilusão de que, para ser ‘alguém na vida’ precisamos fazer
tudo certo, estudar muito, trabalhar muito, votar nos bons políticos,
conquistar posições, progredir socialmente, acumular bens e, ao final da vida,
garantir um bom sossego e tranquilidade, passando assim nossas conquistas para
a próxima geração. Mas, às vezes me pergunto se, ao fim de tudo isso, estaremos
todos bem.
Ganhei maturidade, e ainda me falta muita, para enxergar melhor o
mundo à minha volta e, com isso, perceber o quanto estamos cercados de maldades
e vícios que se tornam legítimos e naturais em nossa vida social, justificando
assim o caos de mundo civilizado e globalizado de hoje, que ignora a fome dos
miseráveis e atribui às suas nações a falta do progresso econômico ainda por
vir, como uma missão dada ao Sacerdócio do Capital.
Perdi oportunidade de me expressar melhor aos meus pais, e
demonstrar-lhes todo o afeto e amor que por eles tenho, dizendo-lhes o quanto
eles representam para mim, enquanto em vida ou mesmo depois dela, e que agora
uma parte disso se revela em palavras nessa folha fria que comporta esse texto.
Ganhei amigos, não muitos, mas poucos e bons que souberam esperar a
maturidade de nossas relações se concretizar com o tempo e sobreviver aos
encontros e desencontros da vida moderna e urbana que vivemos hoje nesta
cidade.
Enfim, apesar de tudo, acho que
tenho ganhado mais do que perdido, muito embora as perdas que tenho sofrido
(ainda que doloridas) me têm feito engrandecer e me fortalecer para novas
etapas de vida que estarão por vir, me preparando assim para lidar melhor com todas
as mais novas PERDAS e GANHOS.
Marllon Uaki Furtado
Em 12/2012