sábado, 29 de dezembro de 2012

PERDAS e GANHOS

Perdas e ganhos

Nesta vida, estamos sempre perdendo e ganhando, como um ciclo de emoções que nos faz perceber o quanto frágeis somos e o quanto estamos sujeitos aos acasos, aos destinos, às incertezas e (im)probabilidades dos acontecimentos, inclusive ao caos, ainda que em tempos indevidos, demorados, curtos demais ou até mesmo súbitos, tudo isso aos olhos de nossos ingênuos conceitos e percepções de tempo e de justiça.

Ao longo desses meus anos de vida, ainda antes dos 40 (portanto, pra muitos, jovem, pra outros, chegando à maturidade, para os sábios, um garoto), tenho colecionado perdas e ganhos que fazem parte de minha trajetória e vão me constituindo como ser único, dono de sentimentos, percepções e experiências que me atravessam unicamente e que não há papel ou oralidade que dê conta de expressá-los fielmente.

Ganhei a vida, através de meus pais, em 1975, e tive uma infância de menino pobre comum do subúrbio em cidade ao redor da Capital, joguei muita bola de pés descalços, andei muito de bicicleta na rua, subi em árvores, cai, me machuquei, chorei, brinquei, estudei e continuo estudando, e tive meus anos felizes de criança, adolescente, jovem, passando pelas esperadas etapas que os caracterizam, até chegar à maioridade e entrar no mundo ‘sério’ dos adultos.

Perdi minha querida mãe, D. Antônia, mulher amável, dedicada, para qual poderia utilizar todos os melhores adjetivos possíveis, mesmo que pareçam artificiais ou fictícios aos olhos do leitor, mas aqui não falo como escritor, e sim como filho, portanto, me permitindo ao máximo daquilo que cabe na relação de mãe e filho, onde não há defeitos ou imperfeições que suplantem o amor que nos cega para os mesmos.

Ganhei Daniela, uma colega, uma amiga, uma namorada, uma noiva, uma companheira, uma esposa, enfim, um amor, tudo numa mesma mulher que, há quase 19 anos, compartilha comigo minhas angústias, sucessos, frustrações, alegrias, tristezas e experiências, a quem credito muito daquilo de bom que tem me acontecido nos últimos anos, buscando assim me tornar uma pessoa melhor.

Perdi meu velho pai, Seu Geneson, aquele homem sério, cabra cearense, aparentemente sisudo, de coração mole e alma grande que, justamente por trás de tal armadura de cavaleiro lutador, talvez não revelasse tais características assim a priori. Dele, creio que herdei muito daquilo que sou hoje, um tanto tímido, de poucas palavras, não muito dado, porém, aberto a quem se dispuser a me conhecer melhor, muitas das vezes visto como fechado e até mesmo grosso.

Ganhei Gabriella, uma filha princesa que está desabrochando para a vida, mas que insistimos em mantê-la sob nossa proteção e controle, um ser que me tem feito amolecer o espírito cearense herdado de meu pai, e que é uma fonte de amor que me faz sentir melhor todos os dias, mesmo sabendo que, para cada dia de um filho crescendo, é um passo a mais para longe dos pais, na vida de quem em breve se tornará adulto e seguirá seus próprios passos e, portanto, sofrerá também suas próprias perdas e ganhos.

Perdi a ilusão de que, para ser ‘alguém na vida’ precisamos fazer tudo certo, estudar muito, trabalhar muito, votar nos bons políticos, conquistar posições, progredir socialmente, acumular bens e, ao final da vida, garantir um bom sossego e tranquilidade, passando assim nossas conquistas para a próxima geração. Mas, às vezes me pergunto se, ao fim de tudo isso, estaremos todos bem.

Ganhei maturidade, e ainda me falta muita, para enxergar melhor o mundo à minha volta e, com isso, perceber o quanto estamos cercados de maldades e vícios que se tornam legítimos e naturais em nossa vida social, justificando assim o caos de mundo civilizado e globalizado de hoje, que ignora a fome dos miseráveis e atribui às suas nações a falta do progresso econômico ainda por vir, como uma missão dada ao Sacerdócio do Capital.

Perdi oportunidade de me expressar melhor aos meus pais, e demonstrar-lhes todo o afeto e amor que por eles tenho, dizendo-lhes o quanto eles representam para mim, enquanto em vida ou mesmo depois dela, e que agora uma parte disso se revela em palavras nessa folha fria que comporta esse texto.

Ganhei amigos, não muitos, mas poucos e bons que souberam esperar a maturidade de nossas relações se concretizar com o tempo e sobreviver aos encontros e desencontros da vida moderna e urbana que vivemos hoje nesta cidade.

Enfim, apesar de tudo, acho que tenho ganhado mais do que perdido, muito embora as perdas que tenho sofrido (ainda que doloridas) me têm feito engrandecer e me fortalecer para novas etapas de vida que estarão por vir, me preparando assim para lidar melhor com todas as mais novas PERDAS e GANHOS.

Marllon Uaki Furtado
Em 12/2012


terça-feira, 20 de novembro de 2012

O PREÇO DO SABER

O preço do saber


Felizes os tolos por não saberem em quem têm confiado;
Porque assim acreditam em suas desculpas.

 
Felizes os ignorantes por desconhecerem as artimanhas do poder;
Porque assim não se revoltam contra seus mandatários.

 
Felizes os cegos de consciência ao aceitarem sua sina;
Porque assim vão até o fim com suas cargas nas costas.

 
Felizes os fundamentalistas ao defenderem seus deuses;
Porque assim não aceitam serem contrariados em sua fé.

 
Pobres dos sensatos, que reveem suas posições;
Pobres dos sábios, que sofrem com as injustiças;

Pobres dos videntes, que enxergam os males do mundo;
Pobres dos céticos, que não se confortam em Deus;

 
A ignorância é o travesseiro para o sono tranquilo e duradouro,

A sabedoria é a inquietude das almas inconformadas.

Eis o preço a pagar,

Eis o preço do saber.

 
                                                           Marllon Uaki Furtado

terça-feira, 13 de novembro de 2012

INDO EMBORA DE SI


Indo embora de si

Num alto andar de um deslumbrante edifício empresarial, um homem olha para si mesmo e conclui que precisa mudar. Mudar para se adaptar àquilo que dele se espera, pois todos em seu andar desejam determinado perfil.

Então, lhe requerem que seja alguém assim, assado, mais pra cá, menos pra lá, com ênfase nisso e desapego daquilo.

E assim, a cada dia, ele vai descobrindo novos adjetivos e qualidades, colecionando-os em sua caixa de mudança, ansiosa por se completar e seguir viagem.

Com o passar do tempo, as exigências, recomendações e tendências do mercado vão se acumulando, até que um dia quase nada de si lhe resta, a não ser a mera opção de embarcar definitivamente naquele veículo lá embaixo que o aguarda.

E diante de todos os seus doutrinadores, ele dá uma última olhada para dentro, e se despede dele mesmo, rendendo-se solenemente ao seu algoz, para descer ao veículo e seguir nessa viagem sem volta, em que a única certeza é a de que está indo embora de si.

E você, já embarcou nessa viagem?


Marllon Uaki Furtado

terça-feira, 11 de setembro de 2012

INVASÃO INSÓLITA


Invasão insólita

Essas abusadas não me pedem licença. Saem entrando porta adentro,  invadindo meu ser, sem a menor cerimônia.

Quando um dia penso em chamá-las, elas não vêm. Parece até que fazem de propósito pegar-me de súbito. Não aceitam convite antecipado, muito menos recomendações de etiqueta.

Às vezes, estou em algum lugar supostamente inapropriado, e elas me catucam, me provocam, até que eu reaja a elas, dando-lhes corpo.

Mas, por mais inconvenientes que sejam, sabe que até aprecio esse seu modo de ser! Afinal, já me acostumei às suas visitas desavisadas.

E um dia, quando ouso esperá-las pegar-me supostamente de surpresa, elas percebem minha maldade e ainda tiram sarro da minha cara, deixando-me ansioso e frustrado por sua falta.

Acho que seu prazer está exatamente aí, como num coito não permitido, algo inicialmente violador, mas que se revela capaz de dominar e obter sua tácita aceitação, permeada inclusive pelo desejo.

E acabo me rendendo a elas, dando-lhes, ao final, o que querem.

E assim vou levando minha vida de frequentes abusos, sem que nada se possa fazer contra essas danadas letras que me inundam.
 

Em homenagem aos pobres poetas violentados diariamente.

                                                                                        Marllon Uaki Furtado

 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

OS SENTIDOS DA VIDA


Os sentidos da vida

 
Há quem procure saber em que sentido segue a vida.
A esses, deixaria uma indagação:
- Será que isso faz sentido?

 
Se és um amante da vida, algo de bom dela tens sentido.
Caso contrário, não faria sentido teres sentido o algo acima.
Portanto, a ti deixo apenas essa reflexão.

 
Há também os que têm sentido falta de sentido em suas vidas.
A esses, diria que não sei se faz sentido procurar sentido na vida....
Até mesmo porque meus sentidos não dão conta do que tenho sentido.
 


A mim não me importa fazer sentido, desde que valha à pena o ter sentido.
Logo, seja como for, me resigno ao papel de apenas sentir,
Ainda que um dia se descubra que nada disso fazia sentido

  

Pelo direito de sentir livremente.

Marllon Uaki Furtado

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O CÍRCULO QUE NOS VICIA

O círculo que nos vicia

Para seres bem sucedido,
tens que merecer

Para seres ‘doutor’,
tens que merecer

Para entrares numa faculdade pública,
tens que merecer

Para estudares num bom preparatório,
tens que merecer

Para fazeres um bom ensino médio,

tens que merecer

Para estudares numa escola integral,
tens que merecer

Para teres uma boa creche e assistência infantil,
tens que merecer

Para seres bem cuidado por seus pais ou avós,
tens que merecer

Para conheceres (além da mãe) também o seu pai,
tens que merecer

Para nasceres numa família com boas condições sociais,
tens que merecer

Para seres desejado ainda no ventre,
tens que merecer

Realmente, você não tem feito por merecer
Portanto, não reservamos vagas para você que não merece

Favor, contentar-se com seu destino

Em homenagem aos crédulos da meritocracia perversa

Marllon Uaki Furtado

sábado, 28 de abril de 2012

A PROVA QUE TE FALTA

A prova que te falta

Se suspeitar de mim, eu nego.
Se me acusar, eu nego.
Se gravar a conversa, eu nego.
Se filmar escondido, eu nego.

Se arranjar testemunha, eu nego.
Se mostrar minha assinatura, eu nego.
Se me pegar de surpresa, eu nego.
Ainda que não creia, eu nego.

Não adianta vir com fatos,
que eu só nego.
E assim vou sonegando até o final,
afinal, só negar é o que eu tenho feito

Por mais que pareça loucura,
grande é minha convicção
e com pulso e bela postura
bancarei essa minha versão

Vou falar naquele plenário
num discurso tão comovente
pra você, meu nobre otário,
saber como se engana a gente

E diante daquela tribuna
o texto já está ensaiado,
entrarei em todas lacunas
pra de lá não sair condenado

Por maior que seja a evidência,
Há um arranjo que me favorece
E a prova de que tu precisas
Nos autos ela não aparece

É assim que funciona o sistema
Prevalece a lei do mercado
E aquele que, antes, ministro,
Agora é o meu advogado

A Justiça é mesmo cega
Acredita o jovem mancebo
Quem sabe um dia ela enxerga
As brechas do seu enredo


Em oração pela cura da ‘cegueira’ conveniente

Marllon Uaki Furtado

quinta-feira, 19 de abril de 2012

O CRIME DE ENVELHECER

O crime de envelhecer
 
Saudades daqueles tempos
Envelhecer não era crime,
A idade não era um segredo,
Nem algo que nos reprime

Vovó era só uma senhora,
Sem neurose, sem caô,
Sobrepeso e bem nutrida,
E bem ao lado de um vovô

O tempo agora é vilão
Seus efeitos nos caem mal
Nossa imagem agora tudo
É peleja até o final

O tempo, que era aliado,
Com o tempo, foi mexido
Antes, ao nosso lado,
Atualmente, é inimigo

Não aceito esse meu corpo
É o que diz a nossa mente
É preciso consertá-lo
Pois, parece estar doente

Ser jovem é que é o ideal
Me congela nessa imagem
O que tenho que mais vale,
Conteúdo ou embalagem?

É assim que mente o corpo
Relação de corpo e mente
Nessa luta d’ ele e ela
Será que é ele o paciente?

Pelo direito natural de envelhecer (naturalmente)


Marllon Uaki Furtado

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

EM BUSCA DO OUTRO

Em busca do outro

Vivemos num tempo em que é preciso sempre estar on. Mas, tem que ser visível, tem que estar na embalagem. E, para isso, buscamos no outro nós mesmos. Então, influenciado pelo outro, supostamente inovador, revoluciono meu próprio eu, tornando-me alguém diferente, com algo que me marca. Pode ser um brinco em uma das orelhas, ou quem sabe uma bela tatuagem, ou talvez um cabelo estilo despojado (ainda que isso requeira um manual, gel, dois espelhos e alguns minutos pela manhã, ufa !!!). O que importa é que eu seja diferente.

O problema é que, todo mundo pensando assim, ficamos todos diferentes e, por isso, iguais. Nossa diferença, que nos diferencia, na verdade nos iguala, e, portanto, se dilui na imensidão dos outros ‘eus’ iguais a mim, descolados, rebeldes e diferentes.

E quando nos damos conta, há milhares de ‘eus’ espalhados por todos os lugares que frequento, todos com o mesmo anseio em busca da diferença, da afirmação de si mesmo enquanto sujeito único, autêntico, singular.
A verdade é que nosso mundo de hoje não nos permite esse luxo, não há singularidade que resista à velocidade de nosso tempo, pois, em questão de dias, o que era inovador se torna padrão para um exército de pessoas ansiosas por serem elas mesmas, ainda que o preço disso seja ser o outro.

Marllon Uaki Furtado