Permita-me humildemente
me dirigir a vossa senhoria para manifestar algumas considerações que não deixaria
passar em branco, ao final de minha tranqüila vida.
Sou hoje um respeitável
homem, cumpridor dos meus deveres, cidadão urbano de 85 anos, na fronteira da
senilidade, convalescente de mais uma dessas doenças típicas da terceira e
última idade.
Receio ter pouco tempo
de vida pela frente, motivo pelo qual me atrevi a escrever-lhe essa pequena
carta.
Gostaria de informar
que, por sua causa, jamais me arrisquei em atividades perigosas que pudessem
resultar em algo danoso à minha saúde física.
Pensando em você, nunca
me atrevi a uma cantada tosca em qualquer mulher que me tenha atraído de
primeiro momento na adolescência.
Seguindo seus preceitos,
não tomei banho de chuva no primeiro dia do ano, e muito menos joguei futebol
na lama com os amigos da rua.
Também deixei de beber
um pouco além da conta naquela festa de 15 anos de minha filha e depois de
minha neta.
Em momento algum falei
algo que pudesse soar como deselegante ou inapropriado nas mais diversas
ocasiões em que tive isso engasgado na garganta.
Sempre evitei conflitos
ou confrontos que pudessem desgastar uma amizade ou causar qualquer desconforto
a outrem.
Por sua causa, desconheço
a condição de me arrepender por algo que tenha feito.
Também não tive a
oportunidade de conhecer a senhora Ousadia, uma atraente mulher de quem meus
colegas sempre falavam em suas conversas de bar.
Hoje, circundando as
fronteiras da vida com a morte, repenso em tudo que deixei de fazer ou falar
por sua conta, pois sempre fui uma pessoa de fino trato e boa estirpe.
Por tudo isso, nos meus
derradeiros momentos de vida terrena, venho a sua ilustre presença para mui respeitosamente
dizer-te: Vai pra puta que te pariu.
Assinado: José
Prudêncio Arrependido.
Marllon Uaki Furtado