sábado, 2 de fevereiro de 2013

SENHORA SENSATEZ

Senhora Sensatez,

Permita-me humildemente me dirigir a vossa senhoria para manifestar algumas considerações que não deixaria passar em branco, ao final de minha tranqüila vida.

Sou hoje um respeitável homem, cumpridor dos meus deveres, cidadão urbano de 85 anos, na fronteira da senilidade, convalescente de mais uma dessas doenças típicas da terceira e última idade.

Receio ter pouco tempo de vida pela frente, motivo pelo qual me atrevi a escrever-lhe essa pequena carta.

Gostaria de informar que, por sua causa, jamais me arrisquei em atividades perigosas que pudessem resultar em algo danoso à minha saúde física.

Pensando em você, nunca me atrevi a uma cantada tosca em qualquer mulher que me tenha atraído de primeiro momento na adolescência.

Seguindo seus preceitos, não tomei banho de chuva no primeiro dia do ano, e muito menos joguei futebol na lama com os amigos da rua.

Também deixei de beber um pouco além da conta naquela festa de 15 anos de minha filha e depois de minha neta.

Em momento algum falei algo que pudesse soar como deselegante ou inapropriado nas mais diversas ocasiões em que tive isso engasgado na garganta.

Sempre evitei conflitos ou confrontos que pudessem desgastar uma amizade ou causar qualquer desconforto a outrem.

Por sua causa, desconheço a condição de me arrepender por algo que tenha feito.

Também não tive a oportunidade de conhecer a senhora Ousadia, uma atraente mulher de quem meus colegas sempre falavam em suas conversas de bar.

Hoje, circundando as fronteiras da vida com a morte, repenso em tudo que deixei de fazer ou falar por sua conta, pois sempre fui uma pessoa de fino trato e boa estirpe.

Por tudo isso, nos meus derradeiros momentos de vida terrena, venho a sua ilustre presença para mui respeitosamente dizer-te: Vai pra puta que te pariu.

Assinado: José Prudêncio Arrependido.

Marllon Uaki Furtado